A criação da coleção Aterrário: como pude olhar para o passado com generosidade
A coleção “Aterrário" é uma homenagem aos meus avôs. Zé e Tião. Pessoas sábias e com tantas histórias que sempre me encantaram. Um garimpeiro, o outro roceiro. Ambos, homens da terra. De uma época em que mineração e agropecuária eram artesanais. Integrados à natureza, mas de um tempo no qual não se via valor onde havia também riqueza. Enquanto um extraiu ouro e diamantes, erodindo o solo e assoreando o leito de rios; o outro criou porcos, desmatando florestas e desviando mananciais.
Como me reconciliar com este pregresso destruidor? Como falar de abundância e não de escassez? Como incluir a exuberância, a força e a determinação, sem repetir a busca desenfreada de outrora?
Este meu projeto se iniciou com um poema, que escrevi inspirado por um poema que fala de terra da amiga-artista-poeta Lua Leça (se você ainda não conhece o trabalho dela, está perdendo muito), e foca em meu reencontro com a riqueza perdida. Interessado primeiramente no que sobrou daquelas atividades, a terra dizimada, precisei de generosidade para perceber que também tive riquezas herdadas. Sutis e poéticas, estavam nas histórias das famílias, nas artes que nos permeiam, nas conexões que mantemos, na comunhão de valores, no olhar sensível.
A partir destas premissas, criei uma coleção em barro e argila, em cerâmica crua. Peças torneadas a mão, com formas e disposições que incorporam minha ancestralidade, sugerindo movimentos de garimpeiros e roceiros com suas bateias, picaretas, foices e machados; e se conectam com as formas da natureza através da aplicação do número de ouro, da proporção áurea e da sequência de Fibonacci. Conceitos que carregam o metal precioso no nome e são encontrados na natureza, inclusive na organização das moléculas de DNA (para quem se interessa pelo assunto, tem um livro fascinante chamado "Geometria do Design").
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As peças, cilíndricas, de linhas neutras e sem rebuscamento, tem seus diâmetros baseados na proporção áurea (do número Phi: 1,618); alturas baseadas na sequência de Fibonacci (múltiplos de 1,1,2,3,5,8,13,21…); e são arranjadas em conjuntos nos quais cada peça é de uma cor diferente: argila branca, argila tabaco ou terracota.
As peças são esmaltadas internamente, transbordando em fina faixa na borda exterior. O esmalte transparente preserva a cor natural da argila, enquanto permite seu uso utilitário; além de gerar contraste estético entre o interior brilhante, liso e impermeável, e o exterior fosco, rústico e poroso.
Por fim, vale dizer a paritr desta reflexão sobre o passado, a criação da coleção demonstra que olhar criticamente para trás, sem perder a generosidade e a aceitação, nos faz entender quem somos, de onde viemos e - principalmente - nos baliza para onde vamos. Ajuda-nos a colocar em perspectiva quais atitudes queremos repetir e manter; mas, principalmente, quais podemos melhorar do legado que carregamos de nossos ancestrais.
Aterrário / A terra rio
I
A terra que me conecta
com técnicas ancestrais
é canto, não da garganta,
qual prece dos animais
é canto onde me deito
e recolho meus restos,
com portas e peito abertos,
para eras imemoriais
E
é
aqui
que garimpo,
onde não dá ouro
tampouco diamante dá,
a terra rio, que em mim, jorram tantas riquezas
II
A terra que me conecta
com épocas imortais
é rego sem o seu leito
que nem veste de rituais
é templo onde se planta
e se regam sementes,
serenas e pacientes,
como nascentes minerais
E
é
aqui
que cultivo,
onde mal há verde
e em vão ver deste sertão, mar
a terra rio que jorra riquezas em mim
Lançamento na MADE
A coleção Aterrário será lançada na MADE 2018, a maior feira de design colecionável da América Latina.
de 27 de junho a 1 de julho no Pavilhão da Bienal, Parque Ibirapuera, São Paulo.
clique aqui para saber mais sobre o evento