Trama Afetiva: afetar e nos deixarmos afetar, com afeto
Imerso no projeto Trama Afetiva, foram 30 dias de muito aprendizado, troca de experiências, num processo colaborativo entre pessoas que não se conheciam e bastante diversas.
Selecionados pelo Jackson Araújo e pela Luca Predabon, éramos, além dos dois diretores criativos, três designers tutores (Alexandre Herchcovitch, Itiana Passetti e Marcelo Rosenbaum), quatro costureiras (do Coletivo Cardume de Mães, Herculânia, Elaine, Francisca e Rosinha), dez criadores (Alexandre Herberte, Ana Giza, Carmen Manzano, Eduardo Borém, Jorge Feitosa, Kiri Miyazaki, Mayra Sallie, Oliv Barros, Rodrigo Evangelista, Zina Leal), um chefe de ateliê (Leandro Castro), produtores (Mariana Piza e Zé Rogério), e comunicadoras (Lívia Salomoni e Manú Fernandes) que tínhamos como objetivo prototipar ideias e produtos, tendo como matéria-prima o resíduo de malha da Cia Hering, e desenvolver uma coleção que refletisse os valores vividos e abordados ali. Valores e conceitos de sustentabilidade, ressignificação, upcycling e reuso, economia circular, respeito e valorização do próximo, numa cadeia de afeto e num círculo virtuoso criativo.
Foi um mergulho profundo onde me inundei de informações e conhecimentos, com bate-papo com Amélia Malheiros, gestora da Fundação Hermann Hering, visita ao CEAGESP e ao Banco de Alimentos, com a Dani Leite, do Comida Invisível, como guia; visita à YouGreen e um bate-papo com o Roger Koeppl, presidente da cooperativa de catadores de lixo, e com o Jonas Lessa, da Retalhar, empresa de logística reversa de uniformes; workshop de upcycling com a Agustina Comas, da marca Comas SP; workshop de design thinking e processos em economia circular com a Adriana Tubino e Itiana Passetti, da marca Revoada, workshop de tingimento natural com a estilista Flávia Aranha; bate-papo com a designer Pati Sayuri e seu trabalho com o shibori; bate-papo com Patrícia e Felipe Sanchez, da Epson Brasil e Global Química & Moda, sobre tecnologia de impressão têxtil e indústria 4.0; seminário com talks de Cláudio Bueno da Plataforma Explode, Andrea Brisker da consultoria de tendência Stylus, Mariana Colerato comunicadora da Modefica, Peri Pane (artista da performance Homem-Refluxo).
Com tanta informação, muitas ideias surgiram e foram trabalhadas. No entanto, usar rolos de malha, moletom, linhas e retalhos para fazer almofadas e máscaras, poltronas, casacos e camisas, bolsas, camisetas ou calças, isso nós já sabíamos fazer. E fizemos, muito bem!
Coleção Nós
Colaborei diretamente em alguns dos projetos executados, entre eles, a Poltrona Colete, formada por uma série de colchonetes enroláveis e conectáveis uns aos outros, e que seriam vestidos pela Ana Giza em uma performance; as Almofadas Paisagem, na qual o Rodrigo Evangelista sugeriu usarmos a mesma ideia da minha série Caco Abismo, e fazermos um cenário abstrato costurando os retalhos que nós próprios produzíamos, sem alterá-los. O Cesto Tear, numa conversa com o Alexandre Heberte se seria possível fazer o trabalho de tecelagem com tiras de malha numa estrutura rígida côncava, como se fosse no próprio tear. O caderno Indiretamente, todos estávamos envolvidos em todo o processo de troca, de criação, de confecção e montagem dos produtos, foram todas criações coletivas.
Escrevendo assim, parece fácil. Não foi. Foi um desafiador e transformador. Digo que foi uma das experiências mais valiosas e emocionantes que já vivi.
Criamos e executamos 28 produtos em pouco mais de 2 semanas num arregaçar de mangas muito suado. Mas dar forma às ideias e transformar a matéria foi apenas um pequeno aspecto do potente resultado que alcançamos.
Nossos trabalhos começaram, no início do processo, com cada um se apresentando, contando histórias de vida e mostrando objetos que nos representassem como indivíduos e como profissionais para compartilhar e montar uma espécie de altar-portfólio dos trabalhos e da estima do grupo. Levei um pente, um Pentz, uma escaleta, uma foto da série Caco Abismo, o disco De Lá Até Aqui do Móveis Coloniais de Acaju, o cabideiro Manuh e um pião.
Veja como ficou nosso memorial afetivo:
Naquele momento percebi que tudo aquilo seria muito diferente. Éramos pessoas, em toda a nossa completude. Com nossas forças e nossas fragilidades. Nossas inseguranças e nosso conhecimento, nossas experiências e nossas vivências. Estivemos por inteiro naquele galpão e fomos cúmplices em nossa criação e em nossos processos de mudança.
Ressignificar pontos de vista e convicções, exercitei o acolhimento (muitas vezes de algo que não concordava ou de algo que sequer compreendia), fui inundado por conhecimento e dados de como estamos usando nocivamente este planeta e das iniciativas que já existem para mudar esta realidade do nosso conviver.
Ser sustentável está relacionado com melhorar a qualidade deste habitar, e a qualidade de como nos relacionamos com o meio, com os outros e com nós mesmos. Garantir e respeitar a voz, a presença, o corpo, o direito e a liberdade de todos, por mais difícil que isso seja.
Upcycling pode ser aplicado a este constante exercício de olharmos com generosidade para os recursos e e de olharmos para tudo como recurso potencial. Pois se não existe fora, não pode existir lixo para ser jogado.
No último dia, completamente emocionado por tudo que foi vivido, escrevi um poema para registrar e homenagear meus sentimentos e todo o processo do Trama Afetiva 2018.
Nós
somados
uns aos outros
somos mais
atados
por afetos
neste ato
ligamos
nossos pontos
unimos
nossa trama
tramamos
o futuro
transformado
laçados
pelos sonhos
e ideais
cingidos
por singela
sintonia
ligamos
semelhanças
unimos
diferenças
criamos
com costura
nossa guia
seguros
no urdume
coletivo
tecemos
e bordamos
nossa voz
ligamos
o passado
unimos
o presente
reconhecemos
confiantes:
nós somos nós
Eduardo Borém
05 de setembro de 2018
Obrigado à Fundação Hermann Hering por estar sintonizada com as necessidades do presente, os valores do futuro e por acreditar neste projeto.
Tá tudo junto, estamos todos juntos; atados por nós, só somos nós, para afetar e nos deixarmos afetar, com afeto.