A música não morre e a evolução é implacável

Gostaria de começar compartilhando um vídeo que gravei na época da interrupção das atividades da banda Móveis Coloniais de Acaju. Nele, falo do que ela representou na minha vida.

Meu depoimento sobre a importância do Móveis Coloniais de Acaju em minha vida e um momento marcante nestes 18 anos de história da banda que fundei. Vídeo gravado em 03 de outubro de 2016, em São Paulo.


Estamos em pausa há pouco menos de 2 anos. Uma pausa merecida e necessária, sem retorno garantido. Hoje, dia 10 de outubro, comemoramos 20 anos do nosso primeiro show, quando aqueles 8 adolescentes com seus 16 anos se juntaram para fazer música, lá nos idos de 1998.

Quem quiser, tem música no Spotify e vídeos no Youtube )

Éramos 8 integrantes na época, chegamos a ser 11 pessoas, a formação numerosa teve suas dificuldades inerentes, mas teve inúmeras vantagens… ali aprendi sobre colaborar e viver em grupo, sobre saber defender minhas ideias e sobre, muitas vezes, saber perdê-las para ganhar (e geralmente, nestas situações, os ganhos coletivos se mostraram mais permanentes e benéficos para todos, que os ganhos individuais, de curto prazo).

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Lá aprendi também sobre a importância do diálogo, do respeito às diferenças, da honestidade com o que pensamos e somos para construir coletivamente algo maior do que seria possível individualmente. Aprendi também que quando os motivos de alguém se mostravam velados ou de autoengano, geralmente isso causava um dano muito maior nas relações que o debate franco e escancarado. Daí a importância das relações equânimes e transparentes.

Com histórias, origens, valores e convicções distintas, era difícil conseguir consenso, por mais que nossas decisões sempre buscaram isso. Nunca houve um líder, sempre nos organizamos nesta estrutura de confiança, onde "o que eu quero pode ser o mesmo que você, basta a gente ajustar alguns pontos"; estratégia de negociação que hoje conheço pelo nome ganha-ganha

Além disso, ainda garantíamos um botão de emergência, todos poderiam vetar qualquer decisão a qualquer momento! Era difícil, mas também maravilhoso, já estavam todos sempre contemplados. Estas escolhas nos obrigavam à autorresponsabilidade e a entender que os resultados dependem muito mais das nossas próprias ações e como individualmente alteramos a realidade vigente. Nos obrigavam a sair da zona de conforto e não esperar preguiçosamente pela salvação delegada a um terceiro. Este tipo de comportamento, mais tarde, fui compreender melhor no Empretec, metodologia da ONU, aplicada pelo Sebrae para desenvolver o empreendedorismo, mas isso é tema para outra reflexão.

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Voltando à banda, claro que haviam muitas discussões. Por exemplo, sempre fomos apartidários e nunca nos manifestávamos politicamente como grupo, principalmente porque éramos diversos também nas convicções ideológicas. As escolhas individuais iam das opções à esquerda ou à direita, até aquelas que são ditas no brinde regado a tequila dos países caribenhos, “arriba, abajo, al centro y adentro”, mesmo que não houvessem candidatos em algumas delas!

Mas uma coisa era muito clara, queríamos e fazíamos o melhor! O melhor pra gente, o melhor para o público, o melhor para quem trabalhava conosco, na medida das nossas possibilidades, que foram aumentando com o passar do tempo. Trabalhávamos para isso, pois o melhor requer cuidado e cuidado, requer esforço.

Relacionar-se com o outro deve ser visto como hoje se vêem os resíduos em sustentabilidade: não há fora, (pois o planeta é um só, e com o lixo espacial não é diferente), de modo que não há lixo. O que há, então? Há somente recurso inutilizado (ou seja, perda de dinheiro e/ou energia), ineficiência, se estiver sobrando algo. Fazendo um paralelo, não olhar para o problema dos outros é não olhar para os próprios problemas; talvez no curto prazo pareça estar tudo bem, colocando comodamente a sujeira para baixo do tapete; mas as traças logo menos nos obrigarão a limpar a lambança de se adiar as coisas.

Assim, neste presente (e futuro) organizado em rede e sem muito espaço para escapatória dentro do planeta em que vivemos, o equilíbrio é necessariamente dinâmico. Pode até ser que demore um pouco, mas a natureza e a história são implacáveis com quem resiste às evoluções biológica, social, econômica, espiritual. Ou seja, quando você entende que você só é mais um e que faz a diferença, toda a sua potencialidade pode ser usada para o bem de todos, que é o seu próprio bem.

O projeto de grupo no Móveis era inclusivo, e eu sempre falava em entrevistas (e isso tá bem registrado no documentário musical Mobília em Casa, dirigido pelo José Eduardo Belmonte, este da série Carcereiros e do filme Alemão) que “a gente (a banda) parte do pressuposto de que o público é tão importante para o show quanto os músicos”. E era. Sempre foi! Ainda é!

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O momento é tenso, não pelo que foi vivido nestas duas décadas por mim e por tantas pessoas, já que a mensagem continua sendo de amor, respeito, diversidade e tolerância; mas pelo que estamos vivendo no Brasil: uma sociedade que não dialoga, que não constrói, onde cada um escolhe ter certeza, em vez de ser feliz (frase que ouvi tempos atrás e vou levar pra sempre).

Entendi que a vida é feita de ciclos, que tudo um dia pode terminar e tudo bem, a gente segue adiante cheio de aprendizado, desde que a premissa sejam fazer o bem, sem medo (ou ainda com ele) e principalmente com responsabilidade para garantir este resultado a todas as pessoas possíveis. Todo não convicto é também um sim em direção a um futuro melhor. O tempo requer dialogar, aceitar o diferente e acolher o que a gente sequer entende.

Espero que nossas ideias continuem a impactar as pessoas que precisam delas, as ideias estão na música e a música não morre!

Última formação da banda Móveis Coloniais de Acaju, Sesc Bom Retiro, São Paulo, SP, em maio de 2016 - foto Eduardo Borém

Última formação da banda Móveis Coloniais de Acaju, Sesc Bom Retiro, São Paulo, SP, em maio de 2016 - foto Eduardo Borém